1. Introdução
O cenário atual exige mudanças e delineamento de estratégias para o enfrentamento da crise decorrente da pandemia da COVID-19, requerendo adaptações na comercialização de bens e serviços pelas empresas. Empreendedores buscam soluções para manterem-se no mercado por meio de adaptações na logística, comércio eletrônico e, em alguns casos, a mudança no segmento de vendas. O Coronavírus provocou uma dupla crise: em primeiro lugar, no sistema de saúde mundial e, em segundo lugar, nos protocolos necessários para o controle da infecção, que originaram uma crise econômica ao interromper, de forma abrupta, grande parte da atividade econômica (Kuckertz et al., 2020).
Ademais, o reflexo foi negativo em determinados ramos de negócios, enquanto outros atendem altas demandas em função das mudanças desencadeadas pela pandemia. Os impactos da pandemia do novo Coronavírus abrangem o mundo inteiro. A repercussão econômica é grave e de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), poderá tornar-se a maior ameaça à economia mundial. Visto que, trouxe reflexos negativos para o turismo, afetou a produção e a produtividade, a cadeia de suprimentos, bolsas de valores e consequências econômicas entre países (Siddiquei e Khan, 2020). Desse modo, a pandemia da COVID-19 representa uma das mudanças ambientais mais significativas na história moderna do marketing, que poderá impactar na Responsabilidade Social Corporativa, ética do consumidor e filosofia básica de marketing (He e Harris, 2020).
Além disso, na China, país que presenciou pela primeira vez a COVID-19, e considerada a segunda maior economia do mundo, a taxa de crescimento diminuiu apresentando o centro dos serviços como o mais afetado (Siddiquei e Khan, 2020). Ações governamentais procuram aliviar a pressão eminente, em particular para as empresas mais vulneráveis, como as do ramo do turismo/viagens e hotelaria (He e Harris, 2020). A crise econômica tem efeitos na vida dos indivíduos por meio do aumento do desemprego, redução da renda e aumento da incerteza acerca de empregos futuros, tais condições macroeconômicas provocam efeitos complexos na saúde (Banks, Karjalanem e Propper, 2020).
Assim, os impactos manifestam-se nas empresas de diferentes maneiras, como a interrupção da cadeia de suprimentos, escassez de mão de obra, paralisação das instalações de produção, redução da demanda ou dificuldades de acesso a financiamentos (Hassan, Hollander, van Lent e Tahoun, 2020). As indústrias de varejo, enquanto varejistas da moda, de móveis, e de eletrônicos, seguiram as orientações e mantiveram os estabelecimentos fechados temporariamente. Já os varejistas de alimentos, continuaram a negociar, a fim de atender as demandas do mercado (Jones e Comfort, 2020). Por fim, a mesma situação ocorre com a indústria farmacêutica e outros segmentos relacionados à saúde.
Outrossim, a crise econômica e as medidas de distanciamento social atingirão algumas indústrias e regiões mais do que outras (Banks et al., 2020), por isso, observa-se que diferentes setores necessitam de estratégias diversificadas, de acordo com a realidade e a demanda. Considerando a magnitude da incerteza que assola a economia global, desde o início da pandemia da COVID-19, é evidente a necessidade de investigar como o empreendedorismo está sendo impactado pela pandemia (Brown e Rocha, 2020; Nassif, Corrêa e Rossetto, 2020b). Apesar de seu papel importante, as Pequenas e Médias Empresas (PMEs) são as mais ameaçadas pela crise da COVID-19 devido a sua posição financeira relativamente vulnerável (Doshi, Kumar e Yerramilli, 2017). Nesta senda, a originalidade e a relevância deste artigo centra-se em evidenciar as estratégias utilizadas pelos empreendedores de diferentes segmentos na crise da pandemia da COVID-19, ainda pouco explorado na literatura. Oportunamente, amplia-se a discussão acerca dos impactos e oportunidades em momentos de crise. Nessa perspectiva, Liu, Lee e Lee (2020) destacam a importância da agilidade estratégica, a fim de inserir práticas de gestão para enfrentar o desafio global e Nassif et al. (2020b) apontam para a inserção de estratégias inovadoras para atender às demandas do mercado.
Ademais, a crise imposta pela pandemia trouxe reflexos econômicos a partir do fechamento de PMEs, e do aumento do desemprego. Entretanto, em um intervalo curto de tempo, empresários do mundo todo, foram compelidos a reinventar e elaborar estratégias de proficiência, buscando oportunidades em meio ao caos (Maritz, Perenyi, de Waal e Buck, 2020). Outrossim, este estudo traz contribuições gerenciais, pois apresenta a realidade de empreendedores e estratégias adotadas para o enfrentamento do momento de crise, encorajando outros segmentos, ao explicitar as possíveis oportunidades, estimulando a abertura de novos negócios, de acordo com as necessidades do mercado.
Além do mais, o impacto financeiro nos negócios e a adaptação imposta pelo contexto atual em relação às capacidades dinâmicas, forçam a utilização de medidas momentâneas para atender a demanda. No entanto, é evidente que as empresas necessitam de mecanismos que sejam utilizados em um longo espaço de tempo, visto que há reflexos econômicos e sociais que alteram o padrão de consumo e exigem um novo olhar de empresários e gerentes em relação ao cliente. Neste sentido, busca-se investigar os impactos e estratégias na visão de empreendedores de diferentes segmentos de mercado, no cenário de crise da COVID-19. Para tanto, por meio de um roteiro semiestruturado, foram entrevistados dezessete empreendedores da região sul do Brasil, selecionados pelo critério de acessibilidade.
Cabe destacar, que pretende-se contribuir com o campo de estudos gerenciais, e avançar na literatura acerca do empreendedorismo em cenários de eventos adversos e turbulentos. O presente artigo busca direcionar a atenção para os impactos, estratégias e oportunidades, desencadeados pela crise da pandemia da COVID-19, em empreendedores. Os impactos se manifestam de diferentes maneiras (Hassan et al., 2020) e os reflexos econômicos desencadeiam uma conjuntura que não tem semelhante, sob a lente teórica do empreendedorismo (Kuckertz et al., 2020) evidenciando a importância do estudo.
Em suma, além da introdução, este artigo está estruturado em cinco seções. A segunda seção apresenta a revisão da literatura acerca da origem e impactos da COVID-19, empreendedorismos em tempos de turbulência econômica e estratégia de negócios. A terceira seção aborda o método de pesquisa utilizado. A quarta seção apresenta a análise e discussão dos resultados e, por fim, as considerações finais.
2. Referencial teórico
Neste estudo, a fim de esclarecer os conceitos utilizados, nesta seção são apresentados os pressupostos teóricos para o desenvolvimento da pesquisa. Inicialmente, faz-se uma explanação sobre a COVID-19: origem e impactos e, na sequência, expõe-se a respeito do empreendedorismo em tempos de turbulência econômica e estratégia de negócios.
2.1 COVID-19: origem e impactos
COVID-19 é a doença infecciosa causada pelo novo Coronavírus, identificado pela primeira vez em dezembro de 2019, em Wuhan, na China. O aumento do número de casos rapidamente caracterizou a infecção como um surto, de modo que, no final de janeiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a situação como uma emergência em saúde pública de interesse internacional (Giones et al., 2020).
A ausência de respostas médicas (de curto prazo) ao vírus, por exemplo, vacinas ou medicações eficazes, exigiu o uso do distanciamento social como ferramenta governamental para reduzir a transmissão do vírus à população. No entanto, os bloqueios realizados, incluindo, em alguns casos, controles de fronteiras ou proibições de viagens, desencadearam uma interrupção de atividades econômicas que não se assemelha a qualquer demanda anterior ou crise de abastecimento (Giones et al., 2020). Com o exposto, percebe-se que a COVID-19 evidencia a fragilidade do ser humano e dos negócios. Em poucos meses, a pandemia da COVID-19, resultou em uma doença generalizada, com mortes, e a rápida contração das economias globais (Burn-Murdoch, Tilford, Fray e Bernard, 2020). Essa pandemia é um evento imprevisto, que em grande parte não foi considerado nos processos ou resultados de planejamento de negócios dos empreendimentos, independentemente de quão formal ou informal fossem, o que gerou impactos significativos (Giones et al., 2020).
Segundo Chatterjee et al. (2020), o impacto da pandemia permanece desconhecido; a crise ainda está se desenrolando aparentemente sem um fim à vista; e as consequências são devastadoras para a saúde humana e para o bem-estar econômico. A pandemia trouxe preocupações quanto ao sofrimento psicológico (Schmidt, Crepaldi, Bolze, Neiva-Silva e Demenech, 2020). O aumento de quadros de saúde relacionados à depressão, estresse, ansiedade, insônia, transtorno do pânico, medo e raiva referenciados no contexto da pandemia da COVID-19, ocorreu em diferentes países (Faro et al., 2020). Ademais, mesmo havendo diversos cenários de crise enfrentados pelos empreendedores, este configura-se como um evento raro e imprevisível, que tem impactos catastróficos, e que transcendem o planejamento de negócios e os modelos de resiliência (Kuckertz et al., 2020).
Na perspectiva de Nassif, Armando e La Falce (2020a), a crise que está em curso, dificulta a localização de referências de como agir em um momento tão difícil. Ainda, conforme Kuckertz et al. (2020) é preciso compreender as implicações da COVID-19 para os empreendedores, os quais devem ser resilientes e prontos para novas oportunidades de negócios, visto que, para seguir em frente, não será suficiente esperar que as coisas voltem “ao normal”. Na concepção de Kuckertz et al. (2020), a pandemia da COVID-19 e os bloqueios nas economias em todo o mundo criaram uma situação única que não tem equivalente documentado na literatura sobre empreendedorismo. Desta forma, destaca-se a necessidade de pesquisas relacionadas ao contexto atual. A próxima seção discorre, brevemente, sobre o empreendedorismo em meio ao cenário de pandemia da COVID-19.
2.2 Empreendedorismo em tempos de turbulência econômica
O empreendedor é definido como um indivíduo que explora uma oportunidade de negócio por meio de alguma forma de inovação. Isso significa prever uma lacuna no mercado e preenchê-la por uma nova ideia de negócio. Para fazer isso, é necessário criar alguma forma de produto, processo ou serviço que levará a ganhos financeiros (Ratten, 2020a).
Em decorrência das mudanças substanciais no estilo de vida, cultura e interações sociais do indivíduo causados pela crise da COVID-19, uma visão de gerenciamento, no entendimento dos empreendedores, fez-se necessário, e resultou na necessidade de buscar outras formas de pensar para adaptar-se à nova maneira de viver (Ratten, 2020a).
Em função destes acontecimentos, alguns especialistas vêm argumentando que é hora de revisar a orientação da ação empreendedora no contexto da pandemia (Liu et al., 2020). Os poucos estudos sobre gestão de crise em pesquisas sobre empreendedorismo, avaliam predominantemente as ações realizadas para mitigar as possíveis consequências negativas de uma crise (Doern, Williams e Vorley, 2019), entre as quais, as mudanças nas práticas de vendas, marketing e emprego. Desta forma, percepções sobre a frequência, intensidade e formalidade do planejamento de negócios, precisaram ser ajustadas ao novo normal.
De acordo com Ratten (2020a), os principais elementos do empreendedorismo para lidar com a crise da COVID-19 incluem inovação, assumir riscos e ter conhecimento do seu segmento. Outrossim, Nassif et al. (2020b) mencionam que a palavra de ordem do momento é adaptabilidade, tendo em vista a necessidade de modificação e adaptação de estratégias para atender ao mercado, inovar em ambientes de restrições de recursos para continuar em operação.
Desta forma, para responder às necessidades do mercado e demandas sociais, os empreendedores precisaram ser flexíveis e ágeis (Liu et al., 2020; Xing, Liu, Boojihawon e Tarba, 2020). Para isso, foi preciso adaptar-se às novas demandas, e cultivar as capacidades e habilidades necessárias para transformar rapidamente os modelos de negócios e práticas de gestão, para lidar com uma crise de saúde global. As capacidades dinâmicas estão relacionadas aos processos estratégicos e organizacionais específicos, como o redesenvolvimento de produtos; identificar e trabalhar com novos parceiros em um ecossistema e a tomada de decisão estratégica, que cria valor dentro de tais ambientes dinâmicos, manipulando os recursos disponíveis em novas estratégias de criação de valor (Eisenhardt e Martin, 2000).
De acordo com Assunção et al. (2020), a cadeia de suprimentos sofreu implicações durante a pandemia como o aumento nos custos de fretes, o prazo de entrega mais longo, a busca de fornecedores alternativos, a instabilidade na demanda, que são alguns impactos que repercutem diretamente nas empresas. Por outro lado, alguns segmentos, principalmente supermercado e empresas de tecnologia, prosperaram, mas também enfrentaram dificuldades em termos de altas demandas dos clientes e dificuldades na cadeia de suprimentos (Ratten, 2020b).
Neste ínterim, o estudo de Hassan et al. (2020) elencou preocupações e oportunidades relacionadas à COVID-19 identificando seis questões principais: (1) interrupção da cadeia de suprimentos, (2) queda na demanda, (3) funcionários, (4) redução da capacidade de produção ou fechamento de lojas, (5) aumento de incertezas, (6) preocupações com mercado financeiro/financiamento.
Frente a este desafio global, foi necessário que indivíduos, organizações e sociedade, sobrevivessem e prosperassem diante da luta contra o vírus e dos choques econômicos e sociais. Este panorama requisitou aspectos como resiliência, incluindo prontidão psicológica, apoio organizacional e preparação no nível do sistema (Liu et al., 2020).
Segundo Seetharaman (2020), a crise não deixará apenas muitas empresas que lutam pela sobrevivência, mas também forçará algumas a procurar caminhos estratégicos alternativos. Para enfrentar a pandemia da COVID-19 e seus impactos associados, as Nações Unidas solicitaram aos empreendedores, soluções inovadoras, científicas e tecnológicas adequadas (Liu et al., 2020). Cabe destacar, segundo Hassan et al. (2020), que empresas que já passaram por uma situação semelhante de epidemia, geralmente têm sentimento mais alto (mais positivo), ou seja, suas expectativas acerca dos reflexos em fluxos de caixa futuros são mais positivas, que empresas que não passaram por situações semelhantes. Assim, apesar de seus impactos negativos, a crise da COVID-19 proporciona oportunidades para empresários e gerentes e exige resiliência para o benefício de indivíduos, organizações e sociedade (Liu et al., 2020).
2.3 Estratégia de negócios
As organizações buscam posicionamento, entretanto, ter um posicionamento único não é suficiente para garantir vantagem competitiva (Porter, 1996). Os gestores devem estar atentos às forças competitivas, conforme argumentava Porter (1979): ameaça de novas entradas, poder de barganha de fornecedores; poder de barganha de clientes e produtos substitutos. Para resistir ao poder dessas forças, a estratégia precisa ser delineada, analisando o contexto em que a organização está inserida, bem como os potenciais concorrentes.
Conforme Grant (1991), a estratégia compreende a melhor utilização de recursos e capacidades internas da organização, moldando-os aos riscos, e utilizando oportunidades proporcionadas pelo ambiente. Agilidade estratégica é essencial para lidar com o desafio global da pandemia da COVID-19, sendo que as organizações devem cultivar as capacidades e as habilidades necessárias para transformar rapidamente os negócios e as práticas de gestão (Liu et al., 2020). Ainda, segundo Devece, Peris-Ortiz e Rueda-Armengot (2016), para algumas combinações de perfil empreendedor, recessões podem render resultados melhores do que períodos de expansão, sendo que a capacidade de reconhecimento do negócio depende de sua natureza. Para esses autores, o reconhecimento de oportunidade é um fator-chave durante a recessão.
Dessa maneira, as PMEs defendem que a Orientação Empreendedora e a Orientação para o mercado têm potencial de aumentar o desempenho e ajudar na sobrevivência em tempos de crise, entretanto, nestes momentos de crise, há limitação de recursos para a execução de estratégias; aparentemente existe o strategy/ funding chicken-and-egg-problem; crises podem criar oportunidades para PMEs (Eggers, 2020).
Por fim, considerando o cenário atual, em um curto espaço de tempo, que limitou a formulação plena da estratégia, a interferência externa de um evento, que estava fora do controle de gestores e de outros atores, também influenciou no (re)desenho de estratégias, exigindo ações imediatas com foco no mercado.
3. Método
Este estudo tem por objetivo identificar os impactos e estratégias de empreendedores de diferentes segmentos de mercado no cenário de crise da COVID-19. Para tanto, utilizou-se uma abordagem qualitativa, do tipo descritiva (Sampieri, Collado e Lucio, 2013).
A partir do levantamento teórico, com base nas questões levantadas pelos estudos de Liu et al. (2020) e nos insights de Nassif et al. (2020b) definiu-se um roteiro de entrevistas semiestruturadas (Anexo). A população-alvo foi composta por empreendedores de diversos segmentos, escolhidos intencionalmente por acessibilidade, em função de aceitação da participação na pesquisa. O estudo contou com dezessete indivíduos, distribuídos nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, sendo que o fechamento amostral ocorreu pelo critério de saturação teórica. Além disso, estabeleceu-se como requisitos de inclusão na pesquisa, ser brasileiro (a) e empreendedor (a). Seguindo os preceitos éticos, garantiu-se a confidencialidade e o sigilo da identidade dos participantes, utilizou-se letras seguidas de números em vez do nome. A identificação “E” na primeira coluna refere-se aos empreendedores participantes deste estudo.
A coleta dos dados ocorreu no período compreendido entre 24/07/2020 e 01/08/2020, em condições convenientes para os participantes, as entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas. Também, foi feito um contato prévio com os indivíduos para expor o objetivo da pesquisa, sendo que, algumas, foram realizadas via internet pelo Skype, incentivando os participantes que têm limitações de tempo e local para participar de pesquisas (Janghorban, Roudsari e Taghipour, 2014).
Ademais, para a análise dos dados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, organizada em três polos cronológicos: (1) a pré-análise, (2) a exploração do material e (3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação (Bardin, 2016). As fases do estudo foram operacionalizadas de acordo com o desenho da pesquisa (Figura 1).
Desse modo, para proteger a identidade dos entrevistados, utilizou-se os seguintes códigos: E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E10, E11, E12, E13, E14, E15, E16 e E17. Após, as entrevistas foram transcritas e as respostas categorizadas por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2016). As categorias foram definidas a priori a partir dos dados coletados (Tabela 1).
Categorias | Subcategorias | Autores referência | Resultados (subseção) |
---|---|---|---|
Impactos | Pessoal (sentimentos) | Chatterjee et al. (2020) | 4.2 Impactos |
Negócio | Hassan et al. (2020) | ||
Nassif et al. (2020a) | |||
Estratégias | Divulgação | Porter (1996) | 4.3 Estratégias |
Condições de pagamento | Porter (1979) | ||
Qualidade atendimento/produto/serviço | Liu, et al. (2020) | ||
Ações de gifting | Maritz et al. (2020) | ||
Nassif et al. (2020b) | |||
Oportunidade | Pessoal | Ratten (2020a) | 4.4 Oportunidades |
Negócio | Hassan et al. (2020) | ||
Eggers (2020) | |||
Devece et al. (2016) |
Nota: o termo negócio refere-se à empresa/organização.
Fonte: elaboração própria.
Enfim, para melhor compreensão do leitor, os resultados foram demonstrados por meio de nuvem de palavras e tabelas. A próxima seção apresenta os resultados e discussões do estudo.
4. Descrição e análise dos dados
Os resultados estão estruturados em quatro seções, organizadas de acordo com os dados coletados junto aos participantes da pesquisa. Assim, a seguir, os resultados estão subdivididos em: a) caracterização dos sujeitos participantes; b) impactos; c) estratégias e d) oportunidades.
4.1 Caracterização dos sujeitos pesquisados
Dessarte, foram investigados dezessete empreende dores vinculados a diversos segmentos. Para garantir o anonimato e a confiabilidade, os gestores são tratados nessa pesquisa como E1 para o empreendedor 1, E2 para o empreendedor 2 e, assim sucessivamente até o E17 (Tabela 2).
Empreendedor | Gênero | Escolaridade | Ramo de negócio | Tempo no cargo | N° de colaboradores |
---|---|---|---|---|---|
E1 | Feminino | Superior completo | Personal - Professora de dança | 07 anos | - |
E2 | Feminino | Superior completo | Professora de dança | 10 anos | - |
E3 | Masculino | Ensino fundamental | Comerciante | 16 anos | 1 |
E4 | Masculino | Superior completo | Retífica de Motores | 01 ano | 2 |
E5 | Feminino | Ensino técnico | Cabelereira | 12 anos | 7 |
E6 | Masculino | Superior completo | Gerente de Cinema | 03 anos e 08 meses | 8 |
E7 | Feminino | Ensino técnico | Massagista | 03 anos | - |
E8 | Masculino | Pós-graduação strictu sensu incompleto | Comercialização de veículos seminovos | 02 anos e 03 meses | 3 |
E9 | Feminino | Pós-graduação lato sensu | Decoração e Artesanato | 04 meses | 1 |
E10 | Feminino | Superior completo | Decoração e Artesanato | 04 meses | 1 |
E11 | Masculino | Superior completo | Imobiliária | 04 anos | 38 |
E12 | Feminino | Superior completo | Fotos e Filmagens | 03 anos | 1 |
E13 | Masculino | Superior incompleto | Fotos e Filmagens | 03 anos | 1 |
E14 | Masculino | Superior completo | Comércio de bicicletas e acessórios | 01 ano e 08 meses | 1 |
E15 | Feminino | Pós-graduação lato sensu | Vestuário - Franquia de jeans | 10 meses | 1 |
E16 | Feminino | Superior completo | Fisioterapia - Pilates | 02 anos | - |
E17 | Feminino | Pós-graduação lato sensu incompleta | Arquitetura e Urbanismo | 06 meses | - |
Fonte: elaboração própria.
Ao analisar as informações contidas na Tabela 2, constata-se que a faixa etária dos participantes varia de 25 a 47 anos, sendo que 10 são do gênero feminino e 7 do gênero masculino. Quanto à escolaridade, verifica-se que a maioria possui ensino superior, destacando a continuidade do aperfeiçoamento profissional de três participantes que são vinculados a pós-graduação de nível lato sensu e stricto sensu. Há uma diversidade no que tange ao ramo de negócio dos entrevistados, estando vinculados a atividades profissionais como: professor de dança, comerciante, retífica de motores, cabeleireira, cinema, massagista, comércio de veículos, decoração, imobiliária, fotos e filmagens, comércio de bicicleta, vestuário, fisioterapia e arquitetura. O tempo médio de serviço na empresa varia de 4 meses a 16 anos.
Em relação ao tempo no cargo, nota-se que os entrevistados exercem a função atual dentre um intervalo de 4 meses a 16 anos. O número de colaboradores varia de 1 a 38 para cada organização participante da pesquisa. Na próxima seção, descreve-se o contexto de impactos da COVID-19 para os negócios, na percepção dos participantes.
4.2 Impactos
A pandemia da COVID-19 foi um evento imprevisto que não foi considerado nos processos de planejamento de negócios dos empreendimentos, independentemente de quão formal ou informal esses esforços fossem. Neste contexto, incerto e imprevisível, que, diretamente, impacta nos negócios, os participantes relataram diversos sentimentos que emergiram decorrentes do cenário de pandemia, tais sensações são representadas por meio da nuvem de palavras (Figura 2).
Primordialmente, na grande maioria, os participantes têm muito medo em relação a contrair a doença, bem como em função do andamento dos negócios. Sentimentos recorrentes encontrados são mencionados como desespero, insegurança quanto ao contexto atual e futuro, bem como desânimo, frustração, tristeza, depressão e raiva. Essas evidências corroboram com os estudos sobre a saúde mental como aumento do quadro de depressão, estresse, ansiedade, insônia, transtorno do pânico, medo e raiva em diferentes países (Faro et al., 2020).
Além disso, percebe-se indícios de maior vulnerabilidade ao estresse, medo, ansiedade, insegu rança e desânimo como sentimentos na percepção dos participantes. Portanto, torna-se necessária maior atenção à saúde mental, uma vez que, as mudanças provocadas pela pandemia também impactam as questões psicológicas (Schmidt et al., 2020).
Em relação aos impactos no negócio, os participantes relataram que, de imediato, a parte financeira foi a mais afetada pela pandemia. Para tanto, há uma grande recessão econômica global (Tabela 3).
Impactos | Entrevistados |
---|---|
Financeiros | E1, E2, E3, E5, E6, E9, E10, E11, E12, E13 |
Aumento/pagamento de custos fixos e aumento do custo do produto | E8, E11, E7 |
Forma de trabalho | E2, E17 |
Redução de clientes/alunos | E2, E3, E8, E15, E16 |
Fornecedores (falta de Produto) | E4, E14 |
Redução na quantidade de serviços por cliente | E5 |
Fonte: elaboração própria.
Cabe destacar, ainda, que os relatos dos empreendedores atestam o impacto financeiro, bem como o fechamento de negócios pela inviabilidade em função de custos altos, perda de emprego e redução da receita que são outros fatores apontados também destacados por Hassan et al. (2020). Do mesmo modo, o setor de entretenimento, neste caso, o cinema (E6), encontra-se fechado sem perspectiva de data para a reabertura, tal como não se tem projeções para os novos procedimentos de higienização que serão adotados.
Outras constatações dizem respeito à falta de clientes e de alunos que estão relacionadas com o impacto financeiro.
Por outro lado, o comércio de bicicletas registrou aumento expressivo nas vendas, que, consequentemente, acarretou a falta de produto. Esta ocorrência é vislumbrada como o maior impacto da crise vivenciada, mencionado pelo E14: “O maior impacto foi ficar sem produto né. Foi não ter o produto pra vendê tem muita procura e não ter o que vendê esse foi o maior impacto né, que a gente teve na pandemia” (E14). Os problemas relacionados à cadeia de suprimentos aparecem de forma similar no estudo de Assunção et al. (2020). Situação análoga a esta foi constatada pelo E4: “no começo as dificuldades com os fornecedores porque não tava vindo, não tava vindo material de parte nenhuma do Brasil”. Ademais, as adaptações na forma de trabalho também foram referenciadas pelo E17:
Impactos ah… mais na forma de trabalhar mesmo né, que a gente teve que adotá esse distanciamento, reuniões online, ah, o atendimento dos clientes que a gente teve que adotar várias medidas, uso de máscara, todas essas medidas de precaução, mas em termos de trabalho não, não. Pelo contrário né? A gente sentiu uma melhora no mercado (E17).
Desse modo, as evidências apontam para mudança no padrão de consumo em decorrência da crise: enquanto alguns ramos, em sua maioria, retratam problemas financeiros, outros (comércio de bicicletas, arquitetura), apontam para a procura dos serviços/produtos. O E3 complementa: “(...) houve uma diminuição das vendas, as pessoas ficaram mais recolhidas em suas casas. As pessoas ficaram com medo de perder seus empregos, adquirindo somente o essencial”. Da mesma maneira, a entrevistada E5 “(...) mas uma cliente que ia três vezes por semana, vai uma por semana. […] Agora, o salão não é mais um luxo que as clientes iam”.
Assim, para Ratten (2020a), as organizações precisam ser resilientes em termos de lidar com a incerteza de mercado. Isso envolve pensar sobre os riscos potenciais e acumular capital para tentar lidar com a situação da COVID-19. Para tanto, as organizações precisam adaptar-se às mudanças no mercado antes, durante e depois de uma crise. Assim, dando continuidade, na próxima seção, relata-se as ações que os empreendedores executaram para minimizar os reflexos da pandemia nos negócios.
4.3 Estratégias
As Pequenas e Médias Empresas representam mais de 90% de todas as empresas em todo o mundo, tornando-se a espinha dorsal da economia mundial nos setores de negócios formal e informal (Tannenbaum; Boyle; Tandon, 2020). Neste contexto, destacam-se as ações estratégicas relatadas pelos participantes para enfrentar os impactos e manterem-se no mercado (Tabela 4).
Estratégias | Entrevistados |
---|---|
Divulgação | |
Mídias sociais (Facebook, Instagram)/ Propaganda | E2, E8 |
Divulgação das medidas/protocolos de prevenção | E8 |
Reconfiguração na página da internet - qualidade no material divulgado | E11 |
Divulgação - banner | E15 |
Condições de pagamento | E5 |
Condições de pagamento - avaliando a realidade das clientes | E5 |
Condições de pagamento - parcelamento | E12, E14 |
Qualidade atendimento/produto/serviço | |
Qualidade no atendimento/produtos | E3, E7, E12, E16 |
Ampliação no horário de atendimento | E9 |
Qualificação profissional | E2, E17 |
Ações de gifting | |
Entrega de brinde ‘mimo’ | E9 |
Venda de vouchers de ensaio sem prazo de utilização (compra antecipada) | E12 |
Fonte: elaboração própria.
Deste modo, em relação às ações empreendedoras, observa-se que cada empreendedor buscou diferentes formas de destacar-se frente à concorrência, para manter-se no mercado. O segmento de dança investiu nas redes sociais e em cursos de aperfeiçoamento, no entanto, o salão de beleza priorizou a fidelização de clientes atuais para mantê-los depois da pandemia. Contudo, o ramo de automóveis, por exemplo, intensificou o marketing dos produtos disponíveis em estoque, evidenciando a importância da aplicação de protocolos como menciona o E8 “(...) A diferenciação que teve durante a pandemia foi divulgar mais na realidade e mostrar que a gente tá dentro do possível, aham, tá fazendo de tudo pra se cuidar” (E8). De outro modo, o setor de decoração de festa, um dos mais atingidos pela pandemia em virtude do cancelamento das festas em geral, ofereceu o atendimento em horário diferenciado incluindo finais de semana e a entrega de um brinde adicional ao pedido, para os clientes.
Para o setor de fotos e filmagens, o qual sofreu impactos severos em função da estagnação de eventos, o parcelamento e os vouchers de ensaio (vendidos antecipadamente) foram estratégias adotadas. O parcelamento também foi importante para o comércio de bicicletas, menciona o E14: “parcelamento em mais vezes, aumentar o prazo pra pagamento do cliente (...), claro que quem tinha renda boa conseguiu um desconto bom, mas quem não tinha, a questão do parcelamento alongado foi o que fez a decisão de compra”. O setor imobiliário com o período da pandemia, refez as fotos dos imóveis, haja vista, que perceberam o aumento do acesso ao site e com isso tem a propensão de intensificar as vendas, mesmo à distância. Enquanto o ramo de serviços de arquitetura destaca a qualificação como estratégia “O estudo, nós nos organizamos né... Inclusive eu comecei a fazer uma pós; a gente foi atrás de mais informações ah... mais qualificação, essa foi a principal estratégia que nós adotamos em todos os sentidos né?” (E17).
Por fim, as estratégias mencionadas corroboram com a perspectiva de Ratten (2020a), que para permanecer no mercado, é necessário que os gestores busquem novas perspectivas, pois essa mentalidade é imprescindível em tempos de crise. Destarte, as organizações respondem a uma crise de diferentes maneiras, desde uma reestruturação das práticas de negócios até uma redução de produção. Neste sentido, a criatividade é importante para lidar com a crise da COVID-19, oferece uma forma de vantagem competitiva no mercado global (Ratten, 2020a). A seção seguinte discorre acerca das possibilidades em tempos de crise.
4.4 Oportunidades
A crise da COVID-19 ameaçou a capacidade de uma empresa de conduzir suas atividades devido às mudanças impostas em relação à forma de trabalho (home office) e adaptações na cadeia de suprimentos e logística. Algumas empresas, mais propensas a empreender, foram capazes de se transformar mais rapidamente do que outras como resultado das mudanças ambientais. A razão para isso é o desejo dos líderes empresariais de permanecer no mercado e, ao mesmo tempo, respeitar os protocolos de saúde exigidos. Nessa perspectiva, muitos empreendedores vislumbram o tempo de crise atual como oportunidades de expansão dos negócios, bem como para a criação de novos campos de mercado, que conforme Grant (1991), para delinear estratégias, a organização deve utilizar as oportunidades do ambiente. A partir das perspectivas dos entrevistados percebe-se que há oportunidades de crescimento profissional, reinvenção de serviços, novas formas de trabalho identificadas no contexto (Tabela 5).
Oportunidades | Entrevistados |
---|---|
Pessoal | |
Aprendizado quanto à utilização de mídias sociais | E1 |
Qualificação profissional (cursos online) | E2 |
Crescimento em busca de tecnologia e ampliação das metas | E3 |
Crescimento profissional | E4/E12/E7 |
Negócios | E5 |
Reinventar | E8 |
Implementação de novos serviços/negócios | |
Adaptação da estrutura física por Home Office | E11 |
Aumentos das vendas/serviços | E14, E17 |
Fortalecimento do negócio | E15 |
Fonte: elaboração própria.
Ao analisar as percepções dos empreendedores, verifica-se que, em tempos de pandemia, há oportunidades de crescimento e aperfeiçoamento profissional, buscando atender melhor os clientes, promovendo maior rentabilidade financeira. Para o E8, é oportuno esse período para repensar práticas, ações, atitudes que tendem a não agregar mais no cotidiano, bem como vislumbrar a abrangência de novos negócios. Já para os entrevistados E1, E2, E3 e E11, o período de pandemia é uma oportunidade de utilizar ferramentas tecnológicas a favor dos negócios, do mesmo modo, que há maior viabilidade para se trabalhar no conforto de casa, sendo dispensável um ambiente físico para a transação nos negócios. De acordo com o E3:
(...) Ah, é uma oportunidade para ti crescer né? (...) Agora, a gente já começou a notar que houve uma produção de venda maior, então, a gente tá aproveitando essa oportunidade. Porque como apareceu clientes novos, então a gente tem que tá correndo sempre na frente. Como eu digo, para mim, é uma oportunidade muito boa e já serviu para incentivo e de lição, para ti não ficar sempre naquela meta baixa. Tu não pode ficar sentado, tu tem que estar correndo e se modernizando, aproveitando as tecnologias que estão aí (E3).
Enquanto, por um lado, a crise da COVID-19 impõe grandes desafios às empresas, por outro, exigiu inovações, oferecendo oportunidades para adaptar-se aos modelos de negócios, que lhes permitirão sobreviver à crise corroborando com Seetharaman (2020), quanto à busca de caminhos estratégicos. Evidencia-se, assim, um cenário de oportunidades para o comércio de bicicletas e serviços de arquitetura.
Sim, é uma oportunidade pra quem tem condições de agarrar essa oportunidade, sim! No meu ramo, principalmente, quem conseguiu comprar bastante produto e botar bastante produto em estoque tá tendo um aumento de faturamento absurdo, porque aumentou muito a procura, de 200 a 300% (...). Acho que nós, os pequenos, foi um período bom, não vou dizer que foi ruim, mas deu pra se manter de portas abertas (E14).
Eu consigo visualizar na nossa área né, de arquitetura, até mesmo essa importância de tu chamar a atenção da pessoa pra dentro da sua própria casa né, pro conforto. Ah, eu acho que com essa maior grande permanência das pessoas dentro de casa eu acho que isso é uma grande oportunidade de nós profissionais de arquitetura chamarmos atenção da pessoa pra dentro do seu próprio lar de como ele pode ter melhorado, como ele pode ser aconchegante, como ele pode ser um lugar agradável de se estar, pra mim isso é uma grande oportunidade (E17).
Dessa maneira, na conjuntura de crise (inesperada), as organizações precisam ser ágeis e desenvolver ra pidamente capacidades para ajudá-las a sobreviver às mudanças que o contexto lhes impõe. As oportunidades referenciadas pelos entrevistados remetem às capacidades dinâmicas e a processos organizacionais específicos, a fim de gerenciar os recursos disponíveis para criação de valor na organização na perspectiva de Eisenhardt e Martin (2000).
Por outro lado, o E5 e E6 não conseguem vislumbrar oportunidades nesta crise, uma vez que, relataram estar muito impactados com o cenário:
De forma alguma. Acho que poucas áreas são levadas como uma oportunidade para crescimento. Eu acho que não, pelo contrário. E acho errado quem leva como oportunidade uma situação dessas (E5).
Olha, pode ter oportunidade pra melhorar alguns aspectos profissionais, sociais talvez, mas agora assim avaliando pelo modo que eu digo que eu tô bem (risos) bem impactado assim, bem, eu vejo que não sei se vai ter oportunidades ou não né, tipo eu tô é desanimado em relação a essa pandemia toda né, então é basicamente isso, tipo me sinto inseguro, sabe (E6).
A entrevistada E16 menciona, para o ramo de fisioterapia, que é difícil falar em oportunidade num cenário de pandemia “É, é meio difícil dizer, mas pode ser que tenha momento, mas nessa situação ainda é meio complicado afirmar que vai ter né?”. Outrossim, a crise pode desencadear ações oportunistas, como menciona a entrevistada E12:
Eu vejo pessoas que trataram isso como oportunidade, pessoas que enriqueceram mais, só que eu vejo isso de uma falta de ética e moral absurda. Pessoas vendendo uma coisa que elas não acreditam, que elas não têm, que não possuem, só pra fazer mais dinheiro (...). A gente tinha trabalho todos os dias, tinha evento todo o final de semana, a gente não parava um minuto, ah mas, eu vejo talvez o crescimento que a gente vai ter vai ser profissionalmente, se especializando em coisas, em conhecimento (...) um crescimento interno. Uma crítica interna, de nós como empresa (E12).
Dessarte, a crise global diferente de qualquer outra já vista, impacta nas reações dos indivíduos, gerando incerteza, medo, silenciamento e receio. A ambiguidade do momento cria insegurança quanto ao melhor momento para compartilhar o conhecimento. Assim, alguns indivíduos optam por permanecer em silêncio, ocultando informações relevantes (Ratten, 2020a). Todavia, Weber (2004) afirma que, o aproveitamento das oportunidades no novo capitalismo e lucro se dá pelo empreendedor de perfil ousado, com habilidade para inovação e transformação no campo de atuação.
4.5 Discussões
Diante disso, os resultados apontam que diferentes segmentos oferecem abordagens convergentes e, ao mes mo tempo, diferenciam em função das particularidades do ramo de negócio. Entretanto, o impacto financeiro ganhou ênfase, reflexo da redução de clientes e aumento/pa gamentos de custos. Quanto às estratégias utilizadas, a divulgação da empresa/produtos e medidas de segurança, flexibilidade nas condições de pagamento e qualidade do produto/serviço são diferenciais em tempos de crise, na visão dos entrevistados. Nesta senda, a adoção de estratégias para continuar em operação requer resiliência (Williams, Gruber, Sutcliffe, Shepherd e Zhao, 2017; Doern et al., 2019; Kuckertz et al., 2020) e adequada utilização de recursos e capacidades internas moldando-se aos riscos e utilizando as oportunidades do ambiente em que a organi zação está inserida (Grant, 1991).
Neste ínterim, a mentalidade empreendedora envolve experimentar novos processos para obter melhores resultados (Ratten, 2020a), com isso, traz contribuições para redirecionar os processos existentes a fim de atender às necessidades da COVID-19. Contudo, os gerentes precisam compartilhar e analisar as condições atuais dos negócios, com a finalidade de antecipar-se às mudanças.
Assim, a utilização de mídias sociais, qualificação profissional, crescimento, home office e o aumento de vendas (para setores mais demandados), são algumas oportunidades percebidas neste estudo. Conforme argumentam os autores Devece et al. (2016), reconhecer oportunidades é um favor-chave em período de crise. Por outro lado, atenta-se para questões negativas como o oportunismo e a falta de perspectiva (no sentido de não visualizar o momento como oportunidade), de certa maneira, a incerteza que permeia o momento leva à insegurança dos negócios.
Nesse sentido, a imposição de novas formas de trabalho resultou em estratégias de adaptação que trouxeram ganhos para as empresas, as quais poderão tornar-se efetivas (por exemplo, o home office). Pode-se citar outros fatores que refletem na formulação e implementação de estratégias como a mudança no padrão de consumo, e a inserção de novas tecnologias. A pandemia acelerou a utilização dos meios digitais para vendas, ao passo que permitiu aperfeiçoamento profissional. Entretanto, as evidências deste estudo não permitem generalizações, visto que a heterogeneidade nas estruturas econômicas nacionais e redes comerciais podem trazer consequências diferentes em cada país (Liu et al., 2020).
Diante do exposto, a adaptação e a resiliência à crise ocasionada pela COVID-19, exigiram o (re)desenho de estratégias para superar os impactos no negócio e nos indivíduos. Os processos estratégicos e organizacionais para a ‘resposta imediata’ denotam a existência de capacidades dinâmicas (Eisenhardt e Martin, 2000). O momento de crise também pode ampliar oportunidades em relação à inserção de novos produtos e serviços e novos nichos de clientes. Resiliência, agilidade estratégica e empreendedorismo, continuarão a desempenhar um papel fundamental na captura de valor das oportunidades e na superação da crise (Liu et al., 2020).
5. Considerações finais
O presente estudo teve por objetivo identificar os impactos e estratégias de empreendedores de diferentes segmentos de mercado no cenário de crise da COVID-19. A disseminação massiva do novo Coronavírus impactou severamente a saúde e a economia, resultando em desafios avassaladores em todos os setores da economia. Para destacar-se no mercado competitivo e altamente inovador, as ações e estratégias não dependem unicamente de gestores e líderes, mas são direcionadas também pela diversificação do campo em que a organização está inserida. Desta forma, salienta-se a relevância do estudo ao investigar diferentes segmentos de mercado.
Em suma, foram apresentadas três categorias para análise dos resultados: (1) Impactos; (2) Estratégias e (3) Oportunidades. Acerca dos impactos, constatou-se sentimentos como o desespero, o medo, a insegurança, o desânimo, a frustração, a tristeza, a depressão e a raiva. Nas abordagens de impactos no negócio, os entrevistados mencionam, em sua maioria, o impacto financeiro e/ou fatores que os afetam diretamente, como custos altos, redução da receita de venda em função da diminuição de clientes e alunos, bem como as adaptações na forma de trabalhar (protocolos de segurança). Quanto às estratégias, o aumento e aprimoramento das publicações em redes sociais e sites, qualificação profissional, horários de atendimento, entrega de brindes, ênfase no marketing, ampliação do parcelamento e vouchers de ensaios foram algumas táticas utilizadas pelos empreendedores que permitiram sustentação dos negócios em condições de incerteza e ambientes de restrição de recursos (Nassif et al., 2020b). No contexto de oportunidades, destacam-se o crescimento profissional, a reinvenção de serviços, as novas formas de trabalho, o aperfeiçoamento profissional, as alterações no modelo de negócios, o e-commerce e o momento para uma avaliação interna e de crescimento pessoal. Alguns empreendedores enfatizaram que não reconhecem o momento como oportunidade, já outros percebem que existe um oportunismo na oferta de serviços em desacordo com o anunciado, falta de moral e ética.
Outrossim, a pandemia não trouxe apenas o reflexo financeiro. A partir dos resultados, pode-se inferir que o aumento da demanda no segmento de comércio de bicicletas, a procura pelos serviços arquitetônicos e a estagnação do setor de eventos, impactam diretamente em diversos segmentos de mercado, apresentando tendência à mudança no padrão de consumo da sociedade em função do cenário atual.
Portanto, o estudo permite avançar teoricamente sobre o empreendedorismo em cenários de eventos adversos, situação única que não tem equivalente documentado na literatura de empreendedorismo (Kuckertz et al., 2020), visto que é um contexto recente e que há poucos estudos que relacionam este tema com o empreendedorismo. Logo, pandemias são eventos incomuns e exigem respostas imediatas e estratégicas para manter-se no mercado e ganhar vantagem competitiva. Os elevados custos para adaptação, a incerteza do retorno financeiro e aceitação do produto/serviço no mercado são aspectos que desencorajam empreendedores, com isso o tempo de tomada de decisão trata-se de um fator determinante para manter-se no mercado. Em relação às implicações gerenciais, o estudo apresenta práticas, estratégias e insights que podem ser replicadas pelos gestores, com a finalidade de apresentar uma resposta imediata ao ambiente de incerteza, bem como angariar oportunidades.
Em síntese, buscou-se apresentar algumas descobertas iniciais, fundamentadas em um conjunto de dados limitados, tendo em vista a amostra de dezessete empreendedores e por limitar-se a Região Sul do Brasil. Sugere-se que estudos futuros avancem acerca do impacto na relação de trabalho, a fim de identificar possíveis conflitos e desdobramentos da relação contratual em Pequenas e Médias Empresas. E, recomenda-se a ampliação dos participantes da pesquisa buscando outros segmentos de mercado, como também, desenvolver estudos com o objetivo de investigar as consequências e oportunidades que este período de crise causou nos negócios estabelecendo um comparativo entre diferentes países. Portanto, as mudanças impostas pela pandemia da COVID-19 indicam a necessidade da implementação de novas perspectivas, a partir da mudança de consumo e inovação do modelo de negócios com foco em Pequenas e Médias Empresas (PMEs).