1. Introdução
Diversos estudos desenvolveram argumentação e avaliação empírica que posicionaram o turismo como uma atividade propulsora de crescimento econômico e de incremento no bem-estar social das localidades turísticas (Oviedo-Garcia, Castellanos-Verdugo e Martin-Ruiz, 2008; Mai, Rahtz e Shultz II, 2013; Silva, Xavier e Lins, 2013). Em sendo um possível promotor de desenvolvimento de um local, entende-se ser importante analisar o impacto do turismo sob uma perspectiva que leve em consideração um contexto mais amplo de bem-estar social e de equilíbrio dos processos de trocas, considerando inclusive o impacto na qualidade de vida para as populações locais e levando em conta as externalidades geradas pela atividade turística.
Já no início dos anos 2000, Weeden (2001) analisava sobre os impactos sociais e ambientais do turismo, demonstrando sua preocupação com o que as consequências das externalidades negativas da atividade turística poderiam acarretar sobre a concepção de uma atividade turística sustentável e de boa moralidade. Além disso, a autora apontava uma tendência crescente em nível global no sentido de questionar a natureza e a velocidade desse crescimento, pois, embora não houvesse dúvidas de que o turismo pode trazer inúmeros benefícios econômicos a um lugar, há inúmeros aspectos negativos em potencial. É o que Mai et al. (2013) entendem quando afirmam que o turismo pode ampliar as desvantagens sociais e econômicas para a população receptora da atividade, principalmente em países em desenvolvimento.
De fato, é fácil pensar em exemplos no Brasil em que a atividade turística beneficia um grupo específico de agentes (geralmente agentes ofertantes) enquanto outros agentes ou elementos da atividade são desconsiderados. Na literatura, encontram-se exemplos de impactos negativos causados pelo turismo de massa em cidades pequenas sem estrutura para receber muitos visitantes, gerando risco para o ambiente (Ferreira, 2006); ou os residentes que têm seu espaço de moradia utilizado pela atividade turística, sem haver necessariamente participação da comunidade (Soares, Galeno e Ros, 2014); ou problemas de falta de regulação do Estado e políticas públicas que equilibrem interesses de operadores turísticos, consumidores e comunidades locais (Borges, 2014); ou até mesmo problemas no acesso às atividades de lazer da comunidade local provocados pelo turismo (Ribeiro e Amaral, 2015). Nesse sentido, faz-se pertinente discutir macromarketing no contexto do turismo, a partir de uma perspectiva sistêmica, com vistas à promoção do equilíbrio de sistemas dessa natureza.
Nesse ensaio teórico, objetiva-se preencher a lacuna nos estudos de turismo, com o intuito de desenvolver uma forma de visualização de todos esses elementos e questões, a partir da exploração de um framework específico, que é o de macromarketing, e levando em conta a abordagem dos sistemas agregados de marketing para a atividade turística. Ou seja, constrói-se uma visão da atividade turística a partir da ‘lente’ de macromarketing, com a suposição de ser essa uma forma de visualização inovadora e diferenciada, e oferta-se a visão da atividade como um sistema agregado de marketing que, como tal, tem seus elementos bem definidos e guarda a finalidade central de gerar equilíbrio em seu funcionamento.
Dessa maneira, propõe-se a construção teórica do Sistema Agregado de Marketing Turístico (SAMTur), a partir da metodologia proposta por Roger Layton de caracterização de sistemas agregados de marketing, levantando, assim, os elementos que o constituem como os demandantes, ofertantes, produtos, contexto, ações, fluxo de bens, informações, dinheiro, integração dos agentes etc. (Layton, 2007; Layton, 2011).
A originalidade do trabalho está na proposta de visualização diferenciada da atividade turística a partir da perspectiva disciplinar de macromarketing. A partir dessa configuração, essa forma de visualizar a atividade é lógica enquanto visão estruturada, expressiva em sua capacidade de permitir uma boa percepção geral, e coerente pelo alinhamento com as práticas acadêmica e profissional de análise do setor de turismo. Essa proposição fornece, portanto, uma visão aperfeiçoada das ações do setor e tem contribuição para agentes públicos, gestores e estudantes de turismo e hospitalidade.
Definiu-se o conteúdo do texto em três partes, além dessa introdução: no item seguinte, desenvolve-se uma discussão sobre macromarketing e turismo, enfocando o conceito de sistema agregado de marketing, o princípio fundamental de equilíbrio, e argumenta-se acerca da alternativa de análise da atividade turística nessa construção; em seguida, apresentam-se de forma breve os elementos gerais do sistema proposto (chamado de SAMTur) e é esboçado um exemplo de visualização; e na última parte, são apresentadas as considerações finais do trabalho, que antecedem as referências bibliográficas.
2. Turismo e macromarketing
Os estudos em turismo, utilizando a perspectiva do marketing, tiveram início no final da década de 1970, momento em que as empresas do setor observaram um aumento na oferta juntamente com um incremento da competição do trade turístico (Machado, Medeiros e Luce, 2011). Machado et al. (2011) afirmam, no entanto, que foi a partir das mudanças sociais, econômicas e políticas dos anos de 1980 que o marketing de destinos turísticos emergiu com mais força. Ainda conforme observam os mesmos autores, a área de marketing contribuiu muito para os estudos de destinos, especialmente quando se fala em aplicação de conceitos de segmentação de mercado, mix de marketing e satisfação da necessidade do consumidor. No entanto, argumentam que alguns aspectos específicos da atividade turística não podem ser negligenciados, já que no turismo ocorrem trocas complexas que envolvem uma série de agentes interessados para além da relação demandante/ofertante (como turistas, governo, moradores e empresários).
Em uma aplicação na área de turismo, Duffy e Dwyer (2014) discutem sobre como uma abordagem de macromarketing pode oferecer boas reflexões para o planejamento e a gestão em locais turísticos emergentes, levando em consideração que uma perspectiva de macromarketing aborda todas as transações dessa atividade, tendo o destino como unidade de análise. Assim, essa lente macro torna-se especialmente importante para práticas de turismo sustentável, em que se faz necessário equilibrar questões econômicas, sociais e ambientais.
Para entender o sistema de marketing turístico do Ningaloo Marine Park na Austrália, Duffy e Dwyer (2014) apresentam diferentes categorias de análise do sistema. A primeira abarca o ambiente físico, a configuração institucional e o contexto cultural. O ambiente físico forma parte dos bens ofertados e, adicionalmente, provê os recursos ao sistema, configura seu estágio de operação e atrai/afasta agentes importantes, além de ter implicações para instituições que emergem. A configuração institucional trata do governo, das leis, finanças, riscos, contexto regulatório, seu papel nas ações disponíveis para os agentes em diferentes pontos do sistema e as oportunidades e ameaças resultantes. Já o contexto cultural considera as estruturas sociais que estão em jogo, seus impactos nos indivíduos, grupos, e os valores, normas e regras compartilhados pela coletividade.
A segunda categoria envolve os componentes e detalha as funções do sistema, em especial os elementos da troca, relações (confiança) e fluxos (informação, bens, risco, finanças e posses). A terceira trata de observar os atributos do sistema, suas características e grau de inovação, enquanto a quarta está relacionada às saídas: resultados econômicos, satisfação do consumidor e medidas de qualidade de vida. As consequências desse tipo de sistema são de interesse de empresários, comunidade, pesquisadores e gestores públicos. A partir da observação das categorias e dos componentes propostos por Duffy e Dwyer (2014), pode-se perceber que não há uma preocupação com a inclusão de aspectos relacionados aos residentes e à comunidade local como um todo.
Não obstante, já é bem aceito o entendimento de que as ações de marketing de lugares, ou de marketing de um destino, devem levar em consideração os interesses de turistas, exportadores, investidores, indústria, sede de corporações, governo e, principalmente, dos residentes do lugar (Kotler, Haider e Rein, 1993; Insch e Florek, 2008; Medeiros, 2013; Alves e Gomes, 2015). Esse conjunto de atores sociais possui relações dinâmicas e imbricadas entre si, com trocas complexas, que compreendem aspectos tangíveis e intangíveis, econômicos e simbólicos, o que leva à necessidade de que a área avance para além do foco no cliente e no produto (Machado, Medeiros e Luce, 2011).
A partir dessa exposição, acredita-se que uma visão de sistemas de troca, baseada em uma perspectiva de geração de equilíbrio do sistema, torna-se uma lente essencial para que a atividade turística de um destino possa ser analisada dentro de uma perspectiva ampla, de macromarketing e que leve em conta todos os agentes envolvidos no sistema. Assim, partindo da visão de ética em macromarketing, argumenta-se que esse sistema de trocas precisa ser justo para todos os stakeholders que o compõem.
Analisar fenômenos de marketing a partir de uma perspectiva de sistemas de troca tem se apresentado como uma abordagem bem-sucedida para estudos alinhados à perspectiva de macromarketing, uma vez que permite uma melhor compreensão da dinâmica dos elementos envolvidos dentro de um sistema agregado de trocas. Por exemplo, pode-se encontrar pesquisas acerca do sistema de marketing alimentar (Barboza, 2014), do sistema de marketing do consumo de água (Patsiaouras, Saren e Fitchett, 2015), dentre várias outras que analisam fenômenos a partir da lente do sistema agregado de marketing (White e Samuel, 2015).
2.1. Conceito e elementos do sistema agregado de marketing
Quando se fala em sistema agregado de marketing, usa-se como base o conceito proposto por Layton (2007), em que um sistema de marketing é definido como uma rede de indivíduos, grupos e/ou entidades, conectados direta ou indiretamente, através de participação sequencial ou compartilhada na troca econômica que cria, absorve, transforma e disponibiliza produtos, tangíveis e intangíveis, ofertados a partir das demandas do consumidor. Layton (2011) comenta que os sistemas de marketing podem ser encontrados em qualquer lugar, desde sociedades tribais primitivas até economias ocidentais avançadas, além de poderem tomar muitas formas, desde simples permutas entre pequenos grupos a redes de negócios entre Ásia e Europa Ocidental. Em qualquer uma das situações, o que determina a condição de um sistema de marketing, para Layton (2011) são os atos de troca econômica voluntária, ou seja, a troca de um ou de múltiplos bens, serviços, experiências e/ou ideias, que se configura como sendo o conceito central de um sistema de marketing.
Uma limitação desse conceito está em considerar apenas as trocas de cunho econômico. Costa (2015), por exemplo, argumenta que é necessária uma ampliação do escopo relacionado às trocas que ocorrem em um sistema de marketing para além das estritamente econômicas, já que fixar sistemas em torno de trocas desse tipo dificulta a discussão acerca de trocas de outra natureza que estão dentro da perspectiva de macromarketing, como aquelas associadas ao marketing social ou ao marketing de lugares, por exemplo. Ao comentar a definição de Roger Layton, Costa (2015) enfatiza então que o sistema de marketing trata de aspectos relacionados à troca, e que, ao se levar em consideração todos os elementos que envolvem essa ação, ter-se-á exatamente a visão geral do sistema agregado de marketing.
Costa (2015) traz ainda uma visão estrutural de um sistema de marketing (Figura 1), adicionando um quinto aspecto aos quatro que são apontados pelos estudos de Layton. Sobre esses aspectos, temos:
Aspecto 1: os sistemas de marketing vão além da mera troca econômica, na medida em que, no contexto da troca, estão presentes fatores sociais, comportamentais, morais, legais e psicológicos, além dos propriamente econômicos.
Aspecto 2: os sistemas de marketing têm relação direta com outros sistemas.
Aspecto 3: os sistemas contêm outros subsistemas, sendo necessário considerar os níveis de complexidade de cada um deles para definir seu escopo e eficiência.
Aspecto 4: todo sistema possui especificidades que o tornam único ao compará-lo com outros sistemas.
Aspecto 5: todo sistema possui um nível de eficiência de suas atividades (levando em consideração a dimensão interna e a externa).
É nesse quinto aspecto que são identificados os fatores de ineficiência de um sistema de marketing, como as externalidades negativas que podem ser geradas pela ação do sistema, causando desequilíbrio para determinados agentes. Nesse ponto, encontram-se aspectos que se referem ao entendimento de problemáticas sociais e implicações geradas pelos resultados do funcionamento de um sistema agregado de marketing.
Nas entradas do sistema de marketing tem-se, de um lado, os ofertantes e, de outro, os demandantes, cada um com suas necessidades e desejos, sendo intermediados por diversas instituições e condicionamentos sociais. No processamento do sistema, observamos as ações de compra, venda, negociações etc., e o fluxo de produtos, informações, dinheiro, influência, compromisso etc., desembocando nas saídas do sistema que geram ações, fluxos, valor, satisfação e externalidades, tudo isso levando em conta a influência de condicionamentos externos e de outros sistemas ou subsistemas.
Em um trabalho posterior, Layton (2014) discute um framework teórico integrado que identifica os processos causais que delineiam a formação, o crescimento e as mudanças adaptativas em sistemas de marketing. Na medida em que os sistemas se formam, crescem e mudam, eles tornam-se parte do seu ambiente externo, influenciando a ação de indivíduos, grupos e entidades, assim como de sistemas de marketing adjacentes, e moldando a sua evolução, a operação dos mecanismos sociais e as escolhas estratégicas feitas pelos agentes envolvidos. Essa visão permite ampliar a maneira de enxergar os sistemas de marketing, entendendo como eles influenciam o ambiente ao seu redor, já que a sua formação e crescimento refletem a vida econômica, social, cultural e política da comunidade, o ambiente físico no qual se encontram, o contexto histórico e o legado que cada comunidade herdou.
2.2. Finalidade e princípio geral de equilíbrio
Os sistemas de marketing têm como propósito primordial criar e entregar aos consumidores os diversos bens, serviços etc., de forma a melhorar a qualidade de vida das comunidades nas quais operam, assim como compartilhar os benefícios dessas atividades com todos os envolvidos. Nesse argumento, percebe-se então a necessidade de refletir sobre formas de operação de sistemas de marketing em que sejam otimizadas as suas saídas no sentido de promover desenvolvimento econômico, social, qualidade de vida para os envolvidos e equilíbrio na distribuição dos benefícios gerados pelas ações de um sistema.
Nessa perspectiva, a disciplina de macromarketing define como objeto de sua análise as trocas ocorridas dentro desses sistemas, observando os impactos e as consequências dessas trocas na sociedade e da sociedade nos sistemas de marketing. Sendo o sistema agregado de marketing o elemento central de macromarketing (Layton, 2007), pode-se dizer que a promoção do equilíbrio de um sistema de marketing é objeto central das pesquisas sobre ‘ética em macromarketing’ (Wilkie e Moore, 1999, 2003; Laczniak e Murphy, 2006; Ferrel e Ferrel, 2008). Desta forma, examinar as dimensões éticas do sistema de marketing - especialmente aquelas que abarcam práticas de mercado cujas ações são questionáveis do ponto de vista da justiça na tomada de decisão acerca da distribuição dos benefícios e dos custos das ações de troca dentre os diversos stakeholders- configura-se como um dos tópicos importantes para as discussões dessa temática (ética em macromarketing).
Para Barboza (2014), um sistema de marketing equilibrado é aquele que leva em consideração os interesses de todos os stakeholders, no momento em que utiliza os princípios de justiça para analisar o direito de cada um dos agentes interessados, buscando a eficiência a partir do desenvolvimento econômico, social e ambiental, na medida em que atinge os melhores resultados possíveis e reduz os impactos das externalidades geradas pelo sistema em seus sujeitos (inclusive não humanos). Tem-se, assim, concepções de promoção de equilíbrio desses sistemas de marketing baseadas em sólidas teorias como a do stakeholder e de justiça distributiva. Essas teorias contribuem para a concepção de um modelo integrativo de justiça capaz de gerar equilíbrio em um sistema de marketing.
2.3. Atividades turísticas como um sistema agregado de marketing
Na literatura de turismo, é possível identificar estudos que utilizam a perspectiva sistêmica para análise do funcionamento e caracterização da atividade turística. A seguir, abordam-se duas construções acerca do turismo enquanto sistema, a primeira refere-se ao modelo de Leiper e a segunda ao modelo de Beni. Por fim, argumenta-se sobre o pensamento das atividades turísticas a partir da ótica do sistema agregado de marketing, numa perspectiva de macromarketing.
Tem-se, então, primeiramente, o modelo de Leiper (1979, 1990), que leva em conta as atividades dos turistas ao permitir a localização de setores da cadeia produtiva e ao oferecer o elemento geográfico inerente a toda viagem. O autor coloca o turismo no contexto de uma série de ambientes externos, tais como a sociedade, a política e a economia. Percebe-se, assim, que esse modelo apresenta três elementos básicos: turistas, elementos geográficos e setor turístico. O primeiro elemento trata-se dos (1) turistas: nesse sistema, o turista é o ator principal. O turismo é uma experiência humana por excelência, desfrutada, esperada e lembrada por muitos como parte dos momentos mais importantes de suas vidas
O segundo, refere-se aos (2) elementos geográficos: são três os elementos geográficos do modelo - (a) a região emissora de viajantes, (b) a região do destino turístico e (c) a região de trânsito. A região emissora de viajantes representa o mercado gerador da demanda para o turismo, significando um impulso de estímulo e motivação para a viagem. É a partir desse local que o turista busca informações, faz reservas e parte.
A região do destino turístico representa o lado instável do turismo; é lá que todo o impacto do turismo será sentido e que as estratégias de planejamento e de gestão serão implementadas. O destino é também a razão de ser do turismo, onde uma série de atrativos especiais se distinguem do cotidiano por sua importância cultural, histórica ou natural. Essa força de atratividade para visitação dos destinos turísticos energiza todo o sistema turístico, incentivando a demanda pela viagem na região emissora. Assim, é no destino que acontecem as inovações no turismo - como o desenvolvimento de novos produtos e a apresentação de novas experiências -, o que faz com que seja o local onde ocorrem as consequências mais visíveis do sistema.
Por outro lado, argumenta-se que o destino emissor também sente quando, por exemplo, recebe parte dos recursos financeiros e impostos pagos pelo turista na origem. Além disso, fluxos migratórios de pessoas também geram impactos na origem. Um exemplo é o caso dos feriados prolongados em grandes regiões metropolitanas, nos quais as cidades de origem, muitas vezes, ficam mais vazias e até menos violentas em virtude do processo de migração temporária. A região das rotas de trânsito não se dá apenas no curto período de tempo de uma viagem até o destino turístico, mas inclui também pontos intermediários potenciais que talvez sejam visitados durante o trajeto.
O terceiro elemento (3) é o setor turístico. Pode-se imaginá-lo como uma gama de empresas e de organizações envolvidas em apresentar o produto turístico. Esse modelo permite que se defina a localização dos diversos setores dessa cadeia produtiva. Por exemplo, os agentes de viagem e as operadoras de turismo encontram-se sobretudo na região emissora de viajantes; os atrativos e o setor de hospitalidade encontram-se na região de destino; e o setor de transporte tem uma grande representação na região das rotas de trânsito.
Cada elemento do sistema turístico de Leiper interage não apenas no momento de oferecer o produto turístico, mas também em termos das trocas e dos impactos, e dos contextos diferentes nos quais o turismo se dá. Cooper, Fletcher, Fyall, Gilbert e Wanhill (2007) apontam que as principais vantagens do modelo de Leiper são a sua aplicabilidade em termos gerais e a sua simplicidade, que propiciam uma maneira útil de pensar o turismo. Além disso, esses autores argumentam que os outros modelos alternativos, ao serem analisados mais profundamente, acabam sempre fazendo referência aos elementos básicos de Leiper.
O segundo modelo se refere à construção de Beni (2007) - originalmente de 1997 - que afirma que o turismo, na linguagem da Teoria Geral de Sistemas, deve ser considerado um modelo aberto que, conforme definido em sua estrutura, permite a identificação de suas características básicas, que se tornam elementos constituintes. Nesse sentido, pela conceituação de sistema como um conjunto de procedimentos, doutrinas, ideias ou princípios logicamente ordenados e coesos, com intenção de descrever, explicar ou dirigir o funcionamento de um todo, o autor situa o turismo, em toda sua abrangência, complexidade e multicausalidade, em um modelo que tem a intenção de apresentar todo o escopo e as combinações de forças e energias da atividade turística.
O Sistur, como é chamado por Beni, envolve como base conceitual três eixos principais: (1) relações ambientais; (2) organização estrutural; e (3) ações operacionais. O autor argumenta que cada um desses três conjuntos poder ser considerado um subsistema em si, já que apresenta funções próprias e específicas. No conjunto das relações ambientais do Sistur estão envolvidos os subsistemas ecológico, econômico, social e cultural. O subsistema ecológico tem como principal elemento a contemplação e o contato com a natureza. É nele que são analisados os fatores acerca do espaço turístico natural e urbano, seu planejamento territorial, atrativos turísticos e consequências do turismo para o meio ambiente, preservação da flora, fauna e paisagens, compreendendo todas as funções, variáveis e regras de consistência de cada um desses fatores.
O subsistema econômico trata da atividade turística vista sob a ótica econômica, compreendendo uma série de serviços oferecidos ao turista, que se desloca da sua cidade de origem e permanece em outra destinação por motivos profissionais, férias, negócios, atividades esportivas, motivos de saúde, assuntos de família, motivos culturais, etc. O conjunto de serviços efetivamente colocados no mercado constitui a cadeia de sua produção, distribuição, consumo e valor. Além disso, esse conjunto analisa as alternativas de utilização dos recursos existentes para a produção turística nos destinos turísticos, a distribuição e circulação de renda gerada pela atividade e como e por que se processam os períodos de expansão e retração dos fluxos nacionais e internacionais de turistas. Estuda também a lógica do comportamento econômico dos viajantes e o comportamento das empresas e agentes públicos que operam nas localidades emissoras e receptoras.
No subsistema social, são observados fatores relacionados ao turismo como sendo um fator socioeconômico que intensifica e aperfeiçoa a mobilidade humana, principalmente a partir do turismo de massa. Aspectos psicossociais estão principalmente ligados às motivações turísticas, enquanto os modelos sociológicos de desenvolvimento turístico preocupam-se com a capacidade de a população receptora controlar a atividade turística em seu local, e os aspectos acerca da comunidade autóctone referem-se à importância de os residentes interagirem com os diferentes grupos envolvidos na atividade turística.
Já no subsistema cultural, temos o papel do turismo na preservação do patrimônio histórico e cultural, além da animação turística cultural com a finalidade de envolver o turista de tal maneira que ele possa atender sua necessidade de viver algo diferente. Também nesse subsistema há discussões relacionadas ao turismo cultural e ao desenvolvimento local e regional, ao mesmo tempo em que se reflete sobre os impactos socioculturais da atividade turística para a comunidade receptora.
No conjunto da organização estrutural do Sistur, encontram-se os subsistemas da superestrutura e o da infraestrutura. Ligada ao subsistema da superestrutura está a complexa organização, tanto pública quanto privada, que permite harmonizar a produção e a venda de diferentes serviços do Sistur, ou seja, compreende a política oficial de turismo e sua ordenação jurídico-administrativa, que se manifesta no conjunto de medidas de organização e de promoção dos órgãos e instituições oficiais e em estratégias governamentais que interferem no setor.
O subsistema da infraestrutura, por outro lado, examina os principais elementos relativos à infraestrutura de acesso, com seus componentes viário e de transportes, e à infraestrutura urbana, ou seja, aquela que reúne as condições básicas de habitabilidade e apoio aos equipamentos e serviços turísticos. Assim, são considerados os serviços urbanos, o saneamento básico (abastecimento de água, coleta e disposição de esgotos, energia elétrica e iluminação pública, limpeza pública, transporte coletivo, comunicações, abastecimento, conservação de logradouros públicos, poluição da água e do ar, equipamentos e serviços de infraestrutura do turismo), o sistema viário e de transportes, a organização territorial, etc.
No conjunto das ações operacionais, temos o subsistema do mercado, o da oferta, o da produção, o da distribuição, o da demanda e o do consumo. O do mercado se preocupa em analisar fatores relacionados ao que produzir, para quem e como, considerando a segmentação e a competitividade do mercado turístico, além da qualidade dos produtos e dos serviços turísticos. No subsistema da oferta, considera-se o conjunto de equipamentos, bens e serviços de alojamento, alimentação, recreação e lazer, de caráter artístico, cultural, social ou de outros tipos, capaz de atrair, numa determinada região, durante um período determinado de tempo, um público visitante.
Já no subsistema de produção (input), os fatores de produção são combinados para resultar em uma unidade do produto turístico, que se expressa no mercado como bens e serviços vendidos através da demanda turística diversificada. O subsistema de distribuição é o conjunto das medidas tomadas com o objetivo de levar o produto ou serviço do produtor ao consumidor. O subsistema da demanda, por sua vez, trata das pessoas que se deslocam temporariamente de sua residência habitual, com propósito recreativo ou por outras necessidades e razões, e demandam a prestação de alguns serviços básicos. Por fim, o subsistema de consumo trata da necessidade de empresas e órgãos de turismo de obter dados sobre os consumidores, seus hábitos, preferências, necessidades, grau de cultura, faixas etárias, rendimentos etc.
Em um trabalho posterior, Moesch e Beni (2015) ampliam a perspectiva sobre o sistema orgânico do turismo, a partir de uma construção sob a teoria da complexidade. Os autores argumentam que o pensamento analítico e cartesiano, que busca explicar o turismo a partir do conjunto de disciplinas, não dá conta da complexidade dos problemas sociais contemporâneos. Além disso, explicam que a limitação dos modelos sistêmicos diante da dinâmica das práticas do turismo se transformou numa necessidade de ampliação do seu conhecimento.
Para esses autores, a reconstrução do Sistur, a partir da teoria da complexidade, apresenta-se como um sistema orgânico, que se auto-organiza e realiza sua autoprodução, ao mesmo tempo em que realiza sua auto-eco-organização e sua auto-eco-produção, pois está envolvido em um ambiente externo que se encontra integrado a um sistema ecoorganizador, o ecossistema turístico.
Na perspectiva desse ensaio, em que se propõe pensar em atividades turísticas a partir da perspectiva de sistema de marketing, argumenta-se que esta representa uma forma mais completa e macro de compreender a atividade, a partir da composição das entradas e saídas desse sistema, incluindo suas externalidades. No caso do turismo, uma lente de sistemas pode auxiliar em uma melhor análise e identificação dos agentes envolvidos, além do entendimento das necessidades de cada um e da possível visualização de situações de desequilíbrio desse sistema. As saídas esperadas desse sistema devem estar voltadas para o desenvolvimento social e econômico do lugar, bem como para a geração de qualidade de vida para os residentes (Medeiros, 2013).
Conforme argumentado por Duffy e Dwyer (2014), já é bem evidenciada a necessidade de conceituar a área de turismo como um sistema de marketing, já que abordagens que tratam cada aspecto do sistema como independente e isolado parecem inadequadas. Ao invés de focar em uma ação específica das trocas de uma atividade turística, uma perspectiva de macromarketing considera a coletividade das atividades relacionadas com as trocas turísticas. Duffy e Dwyer (2014) argumentam ainda que uma lente ampla de macromarketing é particularmente útil para áreas turísticas, e que a literatura em turismo tem reconhecido a necessidade de um uso mais amplo de um nível macro de análise.
A atividade turística tornou-se, ao longo dos anos, uma alternativa de busca de desenvolvimento econômico de vários lugares ao redor do mundo (Mclennan, Ritchie, Ruhanen e Moyle, 2014). Segundo Albaladejo, González-Martínez e Martínez-García (2014), vários estudos analisaram a relação entre o turismo e o crescimento econômico tanto sob o ponto de vista teórico como a partir de uma perspectiva empírica. Sendo assim, não basta fazer uma identificação e caracterização de um sistema agregado de marketing turístico se não for realizada conjuntamente uma análise do equilíbrio das relações entre os envolvidos nos sistemas. É necessário verificar até que ponto esses benefícios realmente se materializam para todos os envolvidos e se são igualmente distribuídos.
2.4. Macromarketing e equilíbrio de sistemas de marketing
A análise das atividades de marketing sob as lentes da perspectiva sistêmica facilita sobremaneira o entendimento das interações entre os diferentes agentes do sistema, possibilitando a compreensão global das atividades de marketing sob uma perspectiva de macromarketing. Dessa maneira, os sistemas de marketing têm como propósito primordial criar e entregar aos consumidores esses diversos bens, serviços etc., de forma a melhorar a qualidade de vida das comunidades nas quais operam, assim como compartilhar os benefícios dessas atividades com todos os envolvidos. Nesse argumento, percebe-se então a necessidade de refletir sobre formas de operação de sistemas de marketing em que sejam otimizadas as suas saídas no sentido de promover desenvolvimento econômico, social, qualidade de vida para os envolvidos e equilíbrio na distribuição dos benefícios gerados pelas ações de um sistema.
Sendo assim, mediante a possibilidade de potenciais desequilíbrios dentro de um sistema de marketing turístico - conforme discutido previamente -, faz-se necessária uma reflexão a partir de preceitos de ética em macromarketing e de teorias que nos ajudem a identificar e caracterizar sistemas de marketing desequilibrados. Conforme observa Barboza (2014), os estudos realizados no sentido de propor o equilíbrio em um sistema de marketing são orientados para encontrar uma combinação de interesses que seja justa entre todos os envolvidos em determinada ação, com o intuito de buscar uma adequada distribuição de benefícios e sacrifícios entre os agentes do sistema.
Nesse contexto, o trabalho de Ferrell e Ferrell (2008) ajuda a visualizar um framework de ética em macromarketing, englobando uma orientação para o stakeholder e conceitos de justiça distributiva para possibilitar a análise de potenciais desequilíbrios de um sistema de marketing. Esses autores enfatizam que a ética em macromarketing trata da preocupação com os impactos econômicos e sociais da distribuição justa de produtos e outros recursos através do sistema de marketing. A orientação para o stakeholder, por sua vez, é tida como a preocupação com as necessidades dos participantes e de outras partes interessadas dentro do sistema de marketing. E, por fim, a justiça distributiva aparece como uma filosofia normativa para fornecer princípios que podem contribuir para uma cultura organizacional voltada para a ética em macromarketing.
Teorias de justiça distributiva, por exemplo, são utilizadas para caracterizar sistemas de marketing desequilibrados, principalmente sob a perspectiva de consumidores vulneráveis e/ou da base da pirâmide (Laczniak, 1999; Hill, 2005; Santos e Laczniak, 2012; Facca-Miess e Santos, 2015). Especificamente, nos estudos de justiça distributiva e macromarketing, é comum se analisar em qual medida um sistema (ou subsistema) de marketing estudado gera saídas em torno de um resultado injusto para determinadas partes do sistema (Laczniak e Murphy, 2008). De acordo com Laczniak e Murphy (2008), a justiça distributiva em marketing trata de como os sistemas de marketing, em termos de estruturas, políticas, ou práticas, distribuem de forma justa os ganhos e perdas do sistema dentre as diversas partes que são afetadas pelos processos de trocas deste sistema.
Nos estudos em turismo, a perspectiva de equilíbrio de interesses e de justiça entre agentes de um sistema de marketing encontra espaço (ainda incipiente) em publicações na área de turismo sustentável (Walle, 1995; Blancas, Lozano-Oyola, González e Caballero, 2018; Font, Higham, Miller e Pourfakhimi, 2019; Kim, Whitford e Arcodia, 2019; Hall, 2019), isto é, tem-se a visão do turismo sustentável como uma possível forma (ou porta de entrada) para a realização de uma visão de justiça ou de teoria do stakeholder. No entanto, Jamal e Camargo (2013) argumentam que há uma necessidade de estudos na área de sustentabilidade em turismo utilizarem questões ligadas às teorias de justiça. Para essas autoras, especialmente com relação às populações locais, os teóricos com justiça e ética têm sido explorados de maneira morosa e parcial, o que é problemático, já que os agentes residentes tendem a ser os mais afetados pelas decisões e pelo desenvolvimento de ações de marketing em um local, principalmente aqueles residentes de baixa renda.
Uma perspectiva ampliada da teoria do stakeholder, que retire do seu centro de análise o ofertante e que considere um sistema de marketing em particular, torna-se uma perspectiva que pode complementar a compreensão de como um sistema funciona, além de poder contribuir para o entendimento dos interesses e consequências das ações de um sistema em cada um dos agentes afetados/ interessados. Nesse sentido, Hult, Mena, Ferrell e Ferrell (2011) conceituam o stakeholder marketing como sendo um conjunto de atividades e processos, dentro de um sistema de instituições sociais, que gera valor através das relações de troca com os seus diversos agentes interessados.
Ferrell e Ferrell (2008) afirmam que existe pouca preocupação de ética em marketing em um nível de análise de macromarketing, especialmente concernente aos efeitos das atividades de marketing nos stakeholders para além do foco em colaboradores, consumidores e acionistas. Esses autores argumentam ainda que essas questões mais amplas de macromarketing acabam caindo no domínio da economia, filosofia, sociologia e ciência política. Diante do exposto, percebe-se uma lacuna nos estudos de ética em macromarketing voltados para analisar questões for a do ambiente da firma e com a ampliação dos stakeholders envolvidos para todo o sistema de marketing.
Adicionalmente, Jamal e Camargo (2013) afirmam ser perceptível que estudos e pesquisas na área de turismo e gestão de lugares carecem de uma discussão acerca de questões relacionadas à promoção de justiça e equilíbrio para todos os stakeholders envolvidos em um sistema de marketing turístico. Os mecanismos de governança para garantir um funcionamento justo e responsável de um sistema acabam sendo deixados de lado, dada a complexidade e o escopo de um sistema de marketing turístico. Assim, afirmam essas autoras, o desenvolvimento de marketing e de turismo, há muito dominado pelos interesses de ofertantes, precisa ser revisitado filosoficamente e examinado com mais rigor, no sentido de alcançar os valores éticos e morais anteriormente defendidos pelos teóricos da área de turismo sustentável.
Pode-se verificar um esforço nesse sentido em um estudo anterior de Mai et al. (2013), realizado no contexto do Vietnã, no qual os autores buscaram identificar o turismo como sendo um potencial catalisador para a transformação de mercados de subsistência e de geração de qualidade de vida para as pessoas. O estudo se baseou em vários fatores de predição ou influência na qualidade de vida dos residentes, como geografia, instituições políticas, políticas macro/microeconômicas, cultura, marketing e sistemas administrativos; fatores esses que, segundo os autores, reconhecem a complexidade multidimensional e a interdependência do bem-estar econômico e social.
Assim, o argumento de Mai et al. (2013) de que há um crescimento da necessidade de se monitorar como o desenvolvimento econômico de uma comunidade interage como bem-estar individual e comunitário adiciona um outro fator a ser considerado como saída de um sistema de marketing turístico que vai além do desenvolvimento econômico e leva em consideração o desenvolvimento social do lugar. Os mesmos autores observam ainda que há várias avaliações, métricas e modelos desenhados para incorporar medidas subjetivas de bem-estar para indivíduos, comunidades e sociedade como um todo, que estão substituindo e/ou complementando as medições meramente econômicas.
Conforme Layton (2007), um sistema de marketing pode ser delineado para atender a interesses específicos de análise ou pode ser modelado de forma a determinar um ou mais níveis de agregação, de maneira que os elementos que o compõem podem também ser observados como sistemas de marketing por si sós, quando a análise fica mais específica. De fato, Costa (2015) argumenta que a visão geral do SAM (Sistema Agregado de Marketing) pode ser especificada para atender a interesses de análise, estudo e intervenção mais focados. Dessa forma, as perspectivas de análise são tão variadas quantos são os recortes que o sistema recebe. O recorte do presente estudo, especificamente, trata de analisar a atividade turística sob uma perspectiva de macromarketing, a partir da caracterização do sistema agregado de marketing turístico (SAMTur). No item seguinte, parte-se dessa visão e propõe-se a configuração desse sistema.